23 de maio de 2018

A Casa do Eterno Regresso


Gandufe era do tamanho do mundo para a Joana. A pequena aldeia a meia dúzia de quilómetros de Mangualde era um território sem fim para uma menina curiosa de 10 anos. Passava as tardes a explorar os campos, trepava os carvalhos e jogava às escondidas nas vinhas. Nos dias de caça, acordava com o som dos chumbos a cair nas telhas. Abria a janela e sorria sempre com a sombra ondulante das folhas das palmeiras que o sol projetava no assoalho do seu quarto. Na mesinha de cabeceira, junto aos seus tesouros mais preciosos, tinha uma foto a preto e branco daquela palmeira, ainda com a altura da menina que posava ao seu lado, a sua mãe. Aquela palmeira e aquela casa abrigam memórias de quatro gerações. A preferida de Joana talvez seja a das noites de Verão, passadas a brincar na estrada em frente à casa, onde raramente passava um carro e Joana podia estar sentada com as amigas no asfalto ainda quente, sob um céu estrelado e tranquilo, entre tantas conversas e brincadeiras. A estrada era infinita no seu olhar pequenino, perdia-se numa escuridão distante e misteriosa que parecia cobrir inúmeras descobertas que Joana imaginava com aquele entusiasmo infantil que prevê sempre uma vida adulta recheada de aventuras. Eram noites que pareciam durar para sempre.


I

Os anos passaram e levaram Joana a várias paragens. Viseu, Aveiro, Porto, Viseu, Oliveira de Frades. A primeira, a estudar, onde se tornou engenheira do Ambiente, com uma pós-graduação em Higiene e Segurança. As restantes, a trabalhar na respetiva área da indústria e consultoria. Dez anos que toldaram a sua perceção da estrada. “Passava os dias num carro, de um lado para o outro, a visitar obras”. Quando não era assim, estava fechada no escritório. “Era um tédio absoluto”.
Apetecia-lhe procurar outro rumo, mas custava-lhe tomar a iniciativa de se despedir. “Se a montanha não vai a Maomé”. Em 2012, a empresa convida-a a sair. E Joana voltou a sorrir no asfalto, na viagem rumo à sua montanha de sempre. A sua Casa das Palmeiras.


II

A casa foi construída em 1924. Bernardo da Costa Faro - “o bisavô Faro”, para Joana - recebeu o terreno como prenda de casamento por parte do sogro. “Era uma casa típica da Beira Alta de família rica, onde as criadas serviam na casa de avental e touca branca”, recorda Joana. Mas era mais do que uma casa, era um empreendimento. Começou como uma quinta, onde se plantavam batatas, cebolas, feijão verde, centeio, cevada, milho e todo o tipo de frutos, num pomar que se perdia de vista. Havia dezenas de trabalhadores na quinta e a produção era farta. Os rendimentos eram reinvestidos. “O bisavô Faro comprava todas as terras que apareciam à venda”. À medida que as propriedades aumentavam, Bernardo Faro aumentava a sua rentabilidade. Passou a produzir também azeite, vinho, aguardente, água pé, pão de milho, broa, avelãs, chouriças, alheiras, presunto. Bernardo Faro montou uma mercearia para vender todos estes produtos. Os que não produzia, como açúcar, massa, arroz e sal, comprava aos armazenistas da região. Nem sempre comprava as quantidades que pretendia. A Primeira Grande Guerra tinha acabado há seis anos e ainda estava instalado o hábito de racionar as vendas. Uma condicionante que Bernardo Faro decidiu contornar com a abertura de uma taberna. Tinha um grande balcão corrido de madeira onde ele próprio servia os trabalhadores logo de manhã. “Pegavam às oito”, mas chegavam mais cedo para o “mata-bicho”: um cálice de aguardente, pão de milho cozido no forno e figos secos. Não ao meio-dia, mas ao meio da manhã (09:30), era servido o almoço. “Uma tachada de feijoada ou bacalhau com batatas”. Se os trabalhadores estivessem longe, era levado às terras por uma criada numa canastra, uma cesta larga de verga, mas se estivessem perto, almoçavam numa mesa de pedra junto à casa. Os pratos dispensavam-se. “A malta comia tudo do mesmo, tiravam todos da terrina com um garfo e acompanhavam com um copinho de água-pé”, relembra Manuel Pais, um antigo trabalhador da quinta.
Às 12:00 era servido o jantar e às 16:00 a merenda. “Horários dos trabalhos de antigamente”, diz Joana. “A Casa Faro, no tempo de alimentar as pessoas, era conhecida por ser a que melhor tratava o pessoal”, relembra Manuel. “Era tudo o que havia de melhor”. As refeições eram confecionadas com a supervisão de Dona Cacilda, a segunda mulher de Bernardo Faro. “Ela era filha de uma criada, talvez tenha sentido na pele as dificuldades e por isso tratava bem o pessoal, com a conivência do meu bisavô”, refere Joana. 




O salário dos trabalhadores – 12 escudos por dia – regressava muitas vezes a Bernardo Faro, através de compras na sua mercearia ou taberna. “Foi o meu bisavô que abriu o caminho que vinha do meio do povo até à taberna, para facilitar a vinda das pessoas até ali e para não irem às outras tabernas que existiam na aldeia”, refere Joana, sorridente. A artimanha resultou. “Vamos beber um copo à casa das palmeiras”, tornou-se uma frase comum no seio do povoado. Essas estranhas árvores exóticas só existiam nas propriedades de Bernardo Faro. Tinha sido o seu irmão a trazer as sementes da Argentina, durante as suas viagens pela América do Sul no início do século XX.


III 

Joana estacionou o carro em frente ao portão da casa. Permaneceu alguns minutos no interior da viatura, atafulhada com pertences dos últimos quatro anos da sua vida. Os sessenta quilómetros da viagem tinham sido demasiado curtos para tudo o que tinha para pensar. Abriu a janela e deixou que a aragem fria de Novembro da Beira Alta lhe fizesse companhia. A casa tinha sido herdada pela Mãe no final dos anos 80. Já a tinham reconstruído, restaurado e, em alguns casos, remodelado. O velho celeiro tinha sido transformado numa casa de férias para familiares e amigos, sendo alugada a franceses durante o mês de Agosto. Joana sentia que devia ser esse o caminho. Um espaço de turismo rural, onde se iria viver uma verdadeira experiência no campo em comunhão com a natureza, os animais da quinta e as tradições da aldeia. Bateu a porta do carro, enérgica e confiante. Amanhã, mais do que nunca, seria um novo dia. 


IV 

“Na Primavera”. Essa foi a meta traçada por Joana para ter o seu empreendimento pronto para receber hóspedes. Contou os meses que faltavam. Quatro. Contou a lista de coisas que tinha para fazer. Cento e setenta e oito. “Eu consigo”. O primeiro passo era o mais fácil. O batismo era quase incontornável: Casa das Palmeiras. O próximo era mais complexo: transformar a casa de férias em duas. Algumas obras, pinturas, remodelações e redecorações depois, nasciam a Casa do Celeiro e a Casa do Carvalho. A primeira mantém as paredes típicas de granito da palheira e a segunda refugia-se na sombra de um velho Carvalho. A enorme laje de pedra onde o milho era malhado serve agora de pátio para ambas.
A lista de tarefas foi-se preenchendo a bom ritmo. O estábulo, carinhosamente apelidado de ‘casa da burra’, foi transformado na receção. O espaço da antiga mercearia e taberna deu lugar a uma ampla sala de estar. No exterior, Joana montou uma esplanada, um lounge, instalou camas de rede nas árvores e um bar de apoio no jardim. As noites, preenchia-as a construir o website. Em Março de 2013, surgiam as primeiras reservas.





As palavras espalharam-se e a procura da Casa das Palmeiras rapidamente ultrapassou a oferta. Joana decidiu criar mais dois quartos. Ela própria coordenou as obras que transformaram o antigo aviário na Casa dos Aromas e na Casa do Mocho. Decidiu que a primeira seria amplamente envidraçada, banhada por luz natural e perfumada por um jardim onde reina a salvia, o tomilho e a hortelã. A segunda, inspirada no piar dos mochos que embalam as noites na quinta, é dedicada ao relaxamento. Nas noites de verão, tem no jardim um espaço zen coberto por um mosquiteiro, onde os hóspedes podem relaxar sob a tranquilidade dos céus negros e estrelados de Gandufe. 


Todos os quatro alojamentos da Casa das Palmeiras são T1, com capacidade para quatro pessoas. “Estou a idealizar um T3, para grupos de amigos ou famílias mais numerosas”, afirma Joana. Uma obra ainda sem data, para ser realizada no antigo lagar, um edifício de dois andares de pedra e madeira, que serve presentemente de armazém das inúmeras antiguidades recolhidas na quinta.
“Desenvolvi uma intensa sensibilidade para a preservação das coisas antigas”, afirma Joana. Uma tendência que se enraizou quando ajudou os pais nas primeiras obras nos anos 80 onde, a muito custo, retiraram todo o estuque e tinta das paredes da casa. “Antigamente, ter a pedra à vista nas casas não era bem-visto”, afirma Joana. “Hoje, felizmente, é algo que é valorizado e ainda bem, pois é uma característica lindíssima das casas da Beira Alta”.
Muitas dessas relíquias fazem parte da decoração da Casa das Palmeiras. Na sala-de-estar ainda permanece a antiga caixa registadora da mercearia. Tal como a espingarda de caça do bisavô Faro.
No lagar, estão os barris e as cubas onde armazenavam o vinho, os alqueires onde se transportava e media o milho, antigos utensílios agrícolas e até garrafas de Sumol ou Sagres dos anos 60 – ainda com vidro pirogravado – desenterradas dos terrenos da quinta ao longos dos anos.
“Todo este espólio vai ter um destino muito especial”, informa Joana.





VI

Junto ao poço, uma placa com letras cor-de-rosa assinala a horta da Ritinha. A Ritinha é uma cabra e um dos animais mais antigos da quinta. Foi oferecida por um vizinho, no início do empreendimento. Joana comprou um bode para lhe fazer companhia. Quando deu conta, já eram 25 caprinos a deambular pela quinta. Optou por oferecer alguns machos - “são ariscos uns com os outros” - mas sempre com uma ressalva inabalável: Não podem ser abatidos. “Podem ser usados para procriação, limpar mato ou até como animais de estimação”, afirma, “mas nunca para abate”. Esse princípio é uma das características mais peculiares e distintivas deste espaço. “O respeito pela natureza e pela vida animal”. Há mil e um animais nesta quinta, desde galinhas, gansos, porcos, cabras, gatos, cães, patos, porquinhos da índia, ouriços-cacheiros, até uma cobra. Todos têm um nome. E todos têm um destino de vida: “A felicidade”, assegura Joana, com um sorriso no olhar.



Todos convivem em harmonia pelos recantos da quinta. Nos passeios matinais, os hóspedes encantam-se com o gato Kafka, o cão Nero, a cadela Bia, o coelho Ramon, o bode Pirulito, o pato Camões, a porca Pepa, entre tantos outros. “As crianças nem dormem, acordam cedo só para brincar com eles”, revela Joana.
Os laços estabelecidos com os animais da Casa das Palmeiras ultrapassam a duração da estadia. Os hóspedes reconhecem-nos e saúdam-os pelo nome nas fotografias nas redes sociais do empreendimento, as crianças fazem desenhos a brincar com eles e enviam. “Quem visita a nossa aldeia da bicharada leva sempre consigo memórias felizes”, diz Joana.



Na Casa das Palmeiras há muito terreno de onde podem ser colhidas esse tipo memórias. Dois hectares e meio de verde por onde as crianças podem passear e brincar livremente na companhia dos animais. E não só. Vão também procurar ovos de “galinhas felizes”, com cesto de verga debaixo do braço, aprendem a tirar o leite à cabra Ritinha para fazer o queijo fresco e a conviver com as tarefas do dia-a-dia no campo. “Elas adoram, ficam muito entusiasmadas e os pais valorizam essa vertente pedagógica”, afirma Joana.


VII 

A Quinta Pedagógica da Casa das Palmeiras é um lugar de “experimentação e aprendizagem” para miúdos e graúdos, instalado num velho palheiro. “Dinamizamos oficinas para crianças, promovendo a exploração e o contacto com a natureza, tal como a valorização do nosso património histórico, cultural e imaterial”, afirma Joana. Algumas das atividades são organizadas em família, “potenciando o valor da família e a transmissão de conhecimentos entre gerações”.
“Vamos ser Exploradores”, “Metade ninho, metade passarinho”, “Mãos ao Trabalho”, “Manhã Sensorial”, “Mostrengos”, são algumas das oficinas pedagógicas que, para além da “cumplicidade familiar”, criam “oportunidades de exploração sensorial, experiências e descobertas”. 


Na quinta há um charco para sapos e rãs, criado no âmbito da iniciativa Charcos com Vida, “para sensibilizar para a importância dos pontos de água para a biodiversidade”, informa Joana; um hotel de insetos, com bichos da conta, joaninhas, borboletas, besouros, entre outros hóspedes , “um espaço onde os insetos podem encontrar abrigo e desenvolver-se e contribuir desta forma para o controlo de pragas nocivas”; e até um tanque revestido de musgo onde vive uma cobra-de-água de colar branco (natrix).
A sustentabilidade ecológica está presente em inúmeras outras valências da Casa das Palmeiras, como a piscina biológica, que não tem químicos e está dissimulada na paisagem natural, com nenúfares a boiar e onde as aves selvagens param para beber água, nas pausas das suas viagens migratórias. Ou até nos alimentos da quinta, como as beldroegas, “uma folha de arbusto nutritiva e saudável” que nasce espontaneamente nestas terras e que Joana utiliza nas saladas e sopas.
Futuramente, há o objetivo de expandir a quinta pedagógica para uma quinta vizinha (Moirela), onde será criado um espaço de experimentação de culturas, onde se aprende a plantar, semear e colher, desde Vinhas, frutos vermelhos, cogumelos, pinheiros, sobreiros e castanheiros.





VIII

São muitos os planos de expansão traçados por Joana. O mais ambicioso é para ser aplicado a meio quilómetro de distância, numa quinta com quatro hectares (Quinta da Ribeira) e inclui a instalação de um projeto de campismo rural, duas unidades de alojamento, um bar e um museu, para receber todas as antiguidades da Casa das Palmeiras. E não só. Mangualde tem uma ligação muito forte ao 2 Cavalos, o popular modelo da Citroen. O último 2 Cavalos do mundo foi produzido na fábrica da Citroen dessa cidade, em Julho de 1990. Joana nutre particular simpatia pelo carro, até porque tem um, com o qual faz visitas guiadas à região com os hóspedes. Face à significância histórica/geográfica e à sua predileção pessoal, foi desafiada por um hóspede a criar um museu dedicado ao célebre modelo. Mais um desafio aceite, mais um plano traçado. “Quero dinamizar a região, metê-la no mapa, fazer as pessoas virem cá”. 



Nesse sentido, Joana desdobra-se em parcerias e iniciativas. Tem parcerias com produtores de sabonetes artesanais, leite de cabra, mel, azeite, vinho. Tem todos esses produtos biológicos disponíveis na Casa das Palmeiras. Tem ainda parcerias com quatro restaurantes (dois em Nelas e dois em Viseu), onde recolhe sobras de legumes e outros alimentos para os animais da quinta. Em Fevereiro, organizou uma encenação teatral baseada no livro “O Retrato de Ricardina” (1868), de Camilo Castelo Branco, cuja ação decorre na freguesia (Espinho) a que pertence a aldeia de Gandufe. Desde então, organiza tours pelos locais históricos do romance, a bordo do seu clássico 2 Cavalos. Organiza também visitas guiadas a monumentos locais, como gravuras rupestres, sepulturas antropomórficas ou a Anta da Cunha Baixa, um enorme monumento megalítico com três mil anos. E, claro, a incontornável Torre de Gandufe, as ruínas da fortificação de um antigo governante Godo que deu nome à aldeia. A designação provém do germânico 'Gondulfus' e significa “Lobo de Batalha”. 




Nos planos da Quinta Biológica, está prevista a criação da Rota dos Pastores, onde as crianças acompanharão os pastores nos seus quotidiano e colaborarão nas suas tarefas, incluindo a tosquia.
“São planos para implementar progressivamente, a acompanhar o nosso ritmo de crescimento”, refere Joana. E o crescimento, tal como tudo o que existe nesta quinta, “é orgânico”.
“Muitos empreendedores optam por fechar, emigrar dois anos, juntar dinheiro, regressar e investir”, afirma Joana. “Felizmente, consegui evitar isso e o nosso crescimento/investimento tem sido sustentável”.

IX

O novo quotidiano de Joana é de sol a sol. Move-se como as “pessoas de antigamente”, ao ritmo instituído pela natureza. “O nascer do sol, as cadências temporais das culturas que nunca terminam e que obrigam a um trabalho constante”, afirma. Concilia com as tarefas da quinta uma disponibilidade quase omnipresente. “No turismo rural espera-se isso, o contacto humano”, refere Joana. “Por isso a minha presença faz parte da paisagem”. 



O dia-a-dia extenuante – descrito em detalhe no prólogo desta reportagem – e as dificuldades que enfrenta não afetam a sua opção de vida. “Não me arrependo de todo, estou a trabalhar para mim e é gratificante percebermos do que somos capazes de fazer, especialmente quando o fazemos praticamente sozinhos”. Desde o regresso, Joana tem desenvolvido uma natureza “surpreendentemente” multifacetada. Contabilidade, Marketing, manutenção geral da quinta. “Não podia estar sempre a pedir para vir cá um canalizador e um eletricista “. Joana riscou a palavra “dependente” do seu dicionário. Quando precisou de usar um berbequim, viu um tutorial no Youtube. Começou a treinar numa parede de cimento na oficina, “até perceber que afinal era fácil”. “A partir daí, mais ninguém me parou”, assegura. Usou o mesmo método para todo o tipo de tarefas. “Deixei de ter medo do que não sabia fazer”. No início, Joana contratava alguém para ordenhar a Rita. Observou, aprendeu, praticou. “Antes demorava uma hora, agora demoro cinco minutos”.
As noções de tempo ganham outro significado na Casa das Palmeiras. Os dias de Joana passam a correr, mas ao mesmo tempo parece ter mais tempo para as pequenas coisas da vida. Um aparente paradoxo que Joana não explica. “Sente-se”. Um compasso de espera antecipa uma possível resposta: “Aqui a diversão é simplesmente estar e ser”. No entanto, por vezes - tantas vezes - o presente mistura-se com o futuro. É comum os hóspedes despedirem-se com uma promessa de regresso. De tanto o ouvir, Joana adotou o lema: “Um lugar a regressar”. 


Seja nas manhãs de chuva, no chilrear dos pássaros nas tardes de sol, na brisa morna das noites de Verão ou quaisquer outras sonoridades da natureza que fluem pelos recantos desta quinta, parece ecoar uma espécie de rumor de regresso. Ela própria escutou-o. Ela própria regressou. E descobriu que o mundo de descobertas com que sonhava no asfalto da sua infância, afinal era interior. “Conheço-me melhor hoje, as minhas capacidades, a minha resiliência, a forma desenrascada como lido com os imprevistos e destemida como avanço nos projetos que idealizo”, diz. Sente orgulho pelo olhar de respeito que as pessoas da terra lhe debruçam, “por fazer trabalho de homem”. E sente-se agradecida pelo usufruto da simplicidade que desenvolveu aqui. “A ligação com os cheiros, com o silêncio, com os animais, com tudo o que a natureza nos oferece de graça todos os dias e que só temos de ter a sensibilidade para parar e apreciar”. Ao entardecer, quando a luz tem outra beleza, Joana senta-se muitas vezes na mesa de pedra no Bosque Encantado, rodeada pelas árvores, pelo som dos melros, pelo Nero e pela Bia que a acompanham para todo o lado, pelos gatos que chegam de mansinho. Nesses momentos, sente-se confortada. Esperançosa. Convicta. “Conheço esta quinta como a palma da minha mão e sei que se o meu bisavô fosse vivo se sentiria orgulhoso do que aqui tenho feito”.

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